2 de dezembro de 2008

Folha de S. Paulo - 01/12/2008

Bicicletas trilham o caminho de cidades mais verdes

Por ELISABETH ROSENTHAL 

BARCELONA - Costuma-se dizer que na Europa, onde existe uma crescente consciência ambiental, só há dois tipos de prefeitos: os que têm programa de compartilhamento de bicicletas e os que querem ter um. Nos últimos anos, esses programas brotaram e decolaram em dezenas de cidades, numa escala até então inimaginável e em lugares onde o uso da bicicleta nunca havia sido difundido.
Projetos grandes e populares como o "Vélib", que põe 20 mil bicicletas nas ruas de Paris, existem também nas cidades de Barcelona (Espanha) e Lyon (França). Até Roma, cujas ruas de pedra, estreitas e congestionadas, pareciam inadequadas para pedaladas, recentemente iniciou um programa-piloto, o Roma’n’Bike, a ser ampliado em breve.
Para prefeitos interessados em reduzir os congestionamentos e demonstrar sua boa-vontade ambiental, o compartilhamento de bicicletas representa uma solução interessante: pelo preço de um único ônibus, compra-se uma frota de bicicletas e evita-se a demora da construção de um metrô. Para os ciclistas, é uma alternativa de transporte barata e que contribui com o bem-estar do planeta.
Os novos sistemas têm sucesso em parte porque oferecem enormes quantidades de bicicletas na cidade inteira, mas o segredo está na tecnologia. Graças a cartões eletrônicos e à informatização dos bicicletários, o processo de apanhar e devolver uma bicicleta leva apenas segundos, e a tarifa é debitada na conta bancária.
"Quando algumas cidades começaram a lançar os programas, outras perceberam que também poderiam fazê-lo", disse Paul DeMaio, da MetroBike, consultoria em transporte via bicicletas baseada em Washington.
As gigantescas novas redes européias de compartilhamento de bicicletas não funcionam como diversão, e sim como alternativa barata de transporte. A maioria dos programas (ainda que não o de Paris) exclui turistas e impede que alguém passe o dia inteiro passeando.
Em Barcelona, as ruas ficam tomadas na hora do rush por filas de pessoas sobre as chamativas bicicletas vermelhas do programa Bicing, lançado há 18 meses. O Bicing oferece 6.000 bicicletas em 375 bicicletários, espalhados a cada poucos quarteirões. As bicicletas parecem estar constantemente em movimento.
"Eu as uso todo dia para ir ao trabalho. Todo mundo usa", disse o empresário André Borao, 44, vestindo terno cinza e gravata laranja, enquanto se preparava para ir pedalando almoçar em casa. "É conveniente, e eu gosto da perspectiva ao me deslocar pelas ruas."
A expansão do programa em Barcelona é típica da chamada "terceira geração" desse tipo de iniciativas, que se baseia na tecnologia. Na cidade, o cliente paga uma adesão anual ao programa, por cerca de US$ 30, e recebe um cartão que permite destravar as bicicletas. Os 30 primeiros minutos são gratuitos, e a partir daí cobra-se US$ 0,30 a cada meia hora. Se a bicicleta não for devolvida em qualquer bicicletário num prazo de duas horas, o cartão pode ser cancelado.
Na Alemanha e na Áustria, os programas costumam ser diferentes: os membros recebem pelo celular uma senha para destravar a bicicleta.
Nas Américas, questões como a responsabilidade pelo seguro, a cultura de valorização do carro, as maiores distâncias e a preferência pelo uso do capacete (opcional na Europa) tornaram mais lenta a adoção de programas desse tipo.
Mesmo assim, Washington e Montreal estão realizando pequenos projetos-piloto, enquanto Chicago e Nova York estudam opções. São Paulo também iniciou o seu programa, em setembro.
Mas talvez o melhor exemplo dessa nova cultura seja o de Xangai, que há apenas dez anos tentava eliminar bicicletas de alguns bulevares para dar lugar a mais carros. Em outubro, essa cidade chinesa lançou um programa-piloto de compartilhamento.
Em Lyon, uma das primeiras cidades a instituir um programa de grande porte baseado na tecnologia, em 2005, as autoridades estimam que as bicicletas já tenham evitado a emissão de milhões de toneladas de poluentes. Mais do que isso, afirmam que o programa mudou o rosto da cidade.
"A massa crítica de bicicletas na rua pacificou o trânsito", disse o vice-prefeito Gilles Vesco, gestor do programa. "Agora, a rua pertence a todos, e precisa ser compartilhada de forma melhor. Ela se tornou um espaço de maior convivência."
Em Barcelona, o programa Bicing ganhou popularidade surpreendente e teve de ser restringido pelas autoridades. "Por enquanto, ele não se expandirá", disse Ramón Ferreiro, responsável pelo programa. "Temos que consolidá-lo e aprimorar o sistema de manutenção." 
O projeto teve a adesão do estudante José Monllor, que agora vai às aulas de bicicleta. "Ele fica mais tempo na garagem", disse ele a respeito de seu carro. "É estúpido dirigir".